"É então que surges: o teu corpo, que se confunde com o das palavras que te descrevem, hesita numa das entradas do verso. Puxo-te para o átrio da estrofe; digo o teu nome com a voz baixa do medo; e apenas ouço o vento que empurra portas e janelas, sílabas e frases, por entre as imagens inúteis que me separaram de ti."
quinta-feira, dezembro 29, 2005
Pandemónio
Pânico (medo de Pan).
A linguística não comenta:
Panqueca (também não comento);
Pântano (Pan tá nu);
Pantagruel (Pan tá cruel);
Panela (Pan tá nela).
Pan, deus grego afeiçoado ao sexo, ao vinho e à flauta, exactamente por esta ordem.
Pintura de Carlos Schwabe.
Pulp Couture
quarta-feira, dezembro 28, 2005
Era uma vez um blogue
Tinham comportamentos reiterados como escrita amiúde, sempre com intenção didáctica -os românticos eram em menor número-, aliás, poder-se-ia, naquele tempo, confirmar com um curioso clique que de doze em doze meses se prescreviam, implicitamente, sempre implicitamente, listas que coincidiam com listas que coincidiam com outras listas, contendo as mais prazenteiras e verdadeiramente necessárias coisas feitas, descobertas no período antecedente. Cânones do povo para o povo que nenhum Edward Said se atreveu a questionar.
Convenhamos, um blogue assusta.
Tenhamos medo, tenhamos muito medo.
terça-feira, dezembro 27, 2005
segunda-feira, dezembro 26, 2005
O Rei vai nu
sábado, dezembro 24, 2005
"Sossegadamente fitemos o seu curso"
Faz hoje muito tempo.
sexta-feira, dezembro 16, 2005
"Não há almoços grátis"
Depois daquele grande almoço, perto de uma sede de candidatura qualquer, era encantar-me com aqueles sorrisos manchados. À boca das urnas nem me vou referir, tal era a evidência dos estragos, mas a boca do Metro dissimulava-se.
Retidos entre os seus dentes afiados, brancos, saudáveis- e sabemos bem o preço de uma boca saudável; ela nasce boa, mas a comida corrompe-a, e comer é preciso-, restos humanos, pastilhas mascadas, até restos de bilhetes com data expirada consegui ver, bem lá atrás, presos aos molares.
"Vem por aqui", diziam-me os almoçantes com "olhos doces".
"Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: [Não passa de um esquilo de dentes brilhantes!]
Eu olho-os com olhos lassos e [não] cruzo os braços, [dizendo: A cada risada mais aberta a mesma mixórdia!]".
domingo, dezembro 11, 2005
O Careca, ou o cabelo que não estava lá
Jeremias
O teu-pai-é-careca?
Ed Crane
"O cabelo é uma parte de nós e nós cortamo-lo e deitamo-lo fora."
Jeremias
Quer, então, dizer-nos que não ter cabelo, ou não querer tê-lo, é-nos inato?
Ed Crane
"Pois eu cá sou de poucas falas. Limito-me a cortar o cabelo."
Jeremias
Quer, então, dizer-nos que, por lhe ser difícil digerir a verdade, se remete ao silêncio?
Ed Crane
"Às vezes o conhecimento é uma maldição."
Jeremias
Ainda assim, e retomando a pergunta inicial, dente-de-leão? Amor-de-homem? Alface-de-cão? Quartilho? Taraxaco?
Ed Crane
"Fala-barato!"
Entrevista incerta a Ed Crane, o próprio, The Barber, ou The man who wasn't there.
Saí com a firme certeza de que ele "apreciava o meu silêncio". "Parece tolice, mas até o Einstein diz que não é mal achado", ainda assim, não sei, nem quero, que o conhecimento é o que se diz que é.
Foto-repórter, Carlos Moreira.
sábado, dezembro 10, 2005
É a sede, estúpido!
Coca-Cola patrocina a sensação de estar Avante.
Caros Camaradas,
Não, não é uma incongruência conceptual, ou um parodoxo, ou o que lhe quiserem chamar.
Este exemplar é, na verdade, como um amigo colorido. Partilha-se com ele a cor, a primeira sílaba, a efervescência.
Mata-nos a sede, mas não o encaixamos no nosso ideal.
Foto-repórter, Carlos Moreira (até por encomenda é bom)
sexta-feira, dezembro 09, 2005
O natal é... ora, é apenas mais um aborrecido conceito..!
"(...)Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,(...)
(...)Tinha fugido do céu,(...)
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!(...)
Texto: O Guardador de Rebanhos, VIII - Fernando Pessoa
Foto: Carlos Moreira
terça-feira, dezembro 06, 2005
quinta-feira, dezembro 01, 2005
Porque as melhores coisas não se vendem, fica aqui o "Bom conselho"
Antes só que mal acompanhado
"Ouça um bom conselho,
que eu lhe dou de graça,
inútil dormir que a dor não passa.
Espere sentado,
ou você se cansa.
Está provado, quem espera nunca alcança.
Venha, meu amigo,
deixe esse regaço.
Brinque com o fogo,
venha se queimar.
Faça como eu digo,
faça como eu faço,
aja duas vezes antes de pensar.
Corro atrás do tempo,
vim de não sei onde,
devagar é que não se vai longe.
Eu semeio o vento
na minha cidade,
vou para a rua e bebo a tempestade."
Chico Buarque
Os recriadores
Os homens conspiraram.
Acordaram cedo.
Apressaram-se até ao Terreiro do Paço.
Era sábado.
Nunca se trabalhou tanto num sábado.
Ao sétimo dia, os restauradores descansaram.
Tinha-se cumprido Portugal.
quarta-feira, novembro 30, 2005
Os criadores
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes[...]
[...]tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
[...]
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"
pode muito bem ter criado o mundo.
Fernando Pessoa
terça-feira, novembro 29, 2005
"Corre. Tu podes."
"Mar adentro, mar adentro,
y en la ingravidez del fondo
donde se cumplen los sueños,
se juntan dos voluntades
para cumplir un deseo.
[...]
Tu mirada y mi mirada
como un eco repitiendo, sin palabras:
más adentro, más adentro,
hasta el más allá del todo
por la sangre y por los huesos.
Pero mi despierto siempre
y siempre quero estar muerto
para seguir con mi boca
enredada en tus cabellos."
quarta-feira, novembro 23, 2005
I could spit on a stranger
"However you feel,
whatever it takes,
whenever it's real,
whatever awaits,
whatever you need,
however so slight,
whenever it's real,
whenever it's right.
I've been thinking long and hard about the things you said to me,
like a bitter stranger,
and now I see the long, the short, the middle and what's inbetween,
I could spit on a stranger"
text by Pavement
photo by Carlos Moreira
segunda-feira, novembro 21, 2005
Quedos e mudos
Cãosa-me esta Democracia domesticada.
Se isto vos interessa -porque sempre é mais um, e a soma numa democracia é essencial-, ofereço o meu voto, que, de facto, não vale um rabo canino a abanar, embora me tenham tentado cãovencer de que valia um cão inteiro, com direito a latir e tudo e tudo e tudo.
Cãosa-me que ganhe sempre a maioria. É que ganha sempre a maioria. Raios a partam, que até votava Nike se o modelo estivesse bem desenhado, ou a borracha cheirasse a osso.
Eu não votei em nada disto. Mas isto sou só eu, definitivamente subtraída.
Ofereço-vos também um grande poema, não porque a palavra "cão" surja escrita 30 vezes, mas porque o cão me parece um fabuloso objecto correlativo.
"(...)
cão de gravata pendente,
cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
cão ululante, cão coruscante,
cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão além, e sempre cão.
Cão marrado, preso a um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia-a-dia
(...)
cão moído de pancada
e condoído do dono,
(...)
cão de olhos que afligem,
cão-problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!"
O Cão é de Alexandre O'Neill. A praça dos desempregados é de F. Botero.
sexta-feira, novembro 18, 2005
quinta-feira, novembro 17, 2005
RUF -1198- RUM
"Eu não moro mais em mim"
Procuro-o, ao rumo, sem resultados.
"Eu perco o chão
eu não acho as palavras"
Até já o procurei no dicionário, mas ao folhear energicamente todas aquelas palavras, caoticamente organizadas, que nos vão enchendo a boca, deparei-me com um espaço vazio.
"Eu perco o freio"
Imediatamente me lembrei que, por ser o meu dicionário ilustrado, um amigo da primária levou-me a página dos mamíferos ruminantes. Ele pediu e eu deixei.
"Estou em milhares de cacos"
Guardo o som da página a rasgar.
"Eu estou ao meio"
Ilustrações a negrito de Adriana Calcanhoto. Ilustração a cores de Picasso.
terça-feira, novembro 15, 2005
"Cantarei até que a voz me doa"
segunda-feira, novembro 14, 2005
Democracia
"É impossível conhecer o espírito, pensamento e determinação de qualquer homem, antes de ele se ter exercitado no poder..."
Antígona de Sófocles.
domingo, novembro 13, 2005
"Meia noite e uma guitarra"
sábado, novembro 12, 2005
"Não me [assoprem], por amor de Deus!"
Apaguei as luzes. Pus as pantufas e, enquanto me dirigia para a cama, fui largando sinais de fumo pelo corredor. Num sábado à noite, um corredor é, sem tirar nem pôr, tal e qual, uma Tóquio inteira. Podia ter acendido uma fogueira com o tapete das Índias e a imitação do Grito, pendurada à esquerda, que teria valido o mesmo. Nada.
"Já disse que não quero nada", apenas fumar de pé, enquanto passo através.
Apenas nunca apagar o que acendo. Apenas limitar-me a deitá-lo para o cesto dos papéis, "como tenho deitado a vida."
Apenas esperar que do cesto de latão se adivinhe "une toute petite lumière, just a light, una picolla... em todas as línguas do mundo uma pequena luz bruxuleante, brilhando aqui no meio de nós, entre o bafo quente da multidão, a ventania dos cerros e a brisa dos mares, e o sopro azedo dos que a não vêem, só a adivinham e raivosamente assopram."
Apenas adivinhar e nunca assoprar. E "depois deito-me para trás na [cama]."
"Tenho em mim [apenas] todos os sonhos do mundo."
segunda-feira, novembro 07, 2005
sábado, novembro 05, 2005
sexta-feira, novembro 04, 2005
Fisicalidades? (C)
"Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua..., -unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois... -abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a vida exprimir-se sem disfarce!"
Imagem de Carlos Schwabe e poema de José Régio
A ver, com quantos paus se faz uma palavra?
Sim,
Cabedal.
Lisa, lisa, lisa.
Datismo?
Desconstruindo:
Fisicalidades.
Por mais paus que recolha, fisicalidades nunca chegará a palavra. Sendo que palavra representa o que está para além da matéria.
quarta-feira, novembro 02, 2005
Comam chocolates, pequenas; Comam chocolates!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
(...)
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerra, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-nos a viver até à Morte!
(...)"
Poema de José G. Ferreira
domingo, outubro 30, 2005
domingo, outubro 23, 2005
Copycat
Hei!! Não conseguirás descrever uma imagem que nunca o foi, porque amanhã não serás mais quem és...
segunda-feira, outubro 17, 2005
"Eles não sabem, nem sonham!"
Ouve lá! Porque é que falas tão baixo?
BONECA
(Muito baixinho) Schiu!... é por causa do Homem. Coitado, se ele soubesse que nós mexemos!... Tu já pensaste a sério a este respeito? Um dia, sem querer, tu julgas que o Homem não está aqui e ele está a ver-te! Que horror nem quero pensar!
BONECO
Ora! mesmo que o Homem me visse a mexer, julgava que era um sonho... não acreditava..."
Almada Negreiros, Antes de Começar
sexta-feira, outubro 14, 2005
Instinto Fatal
"Anything approching the change that came over his features I have never seen before, and hope never to see again. Oh, I wasn't touched. I was fascinated. It was as though a veil had been rent. I saw on that ivory face the expression of sombre pride, of ruthless power, of craven terror -of an intense and hopeless despair. Did he live his life again in every detail of desire, temptation, and surrender during that supreme moment of complete knowledge? He cried in a whisper at some image, at some vision, -he cried out twice, a cry that was no more than a breath-
'The horror! The horror!' " Joseph Conrad
O Princípio da Incerteza
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não vêem escolhos nenhuns.
(...)
Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente.
(...)
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.
Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes."
(Poema de António Gedeão, Mona Lisa de F. Botero)
quinta-feira, outubro 13, 2005
domingo, outubro 09, 2005
quarta-feira, setembro 28, 2005
Cenismo hiperbólico
They had 17 sheep. All but 9 died. How many live sheep were left?
Bonne chance.
terça-feira, setembro 27, 2005
Do silêncio à palavra
"O apocalipse chegará quando tudo tiver sido dito e escrito (coisa para a qual falta pouco tempo)."