segunda-feira, janeiro 28, 2008

O tempo foi-nos comendo e quando demos por nós já não estavamos cá mas naquele outro sítio de onde afinal nunca saímos


E foi assim, acordamos sem nenhum perfume.
Não havia nada mais a fazer ali. Peguei em mim e embalei-me, tapei-me com tudo o que consegui e assim mais ninguém me viu. Mais ninguém.
Eu agora vivo aqui dentro. Não há voz, não há cor nem movimento que me denuncie.
Não há sequer o tempo que vejo passar ao olhar lá para fora.
As coisas que se atravessam diante dos meus olhos não são, simplesmente.
Continuo a olhar e o dia que se põe fica para sempre gravado. Queimado.
Não há chuva
som
tacto
não há uma simples cadeira no tecto para que descanse as mãos de tanto viajar.
Não há.

Olho de vez em quando para trás só para ainda ver onde ando. Qualquer dia não me encontro no meio destas luzes.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Abocanha o dia, ou carpe diem, ou o que dele restar.

Os dias tinham sido curtos nos últimos tempos. Sempre que abocanhava a rua depois do dia de trabalho, já o esperava a noite do dia de trabalho.

Mas naquele dia ainda era dia. Assim um dia de dia. Assim um dia escurinho, mas iluminado ainda. Não eram seis como as seis da tarde de um entardecer de Verão. Mas eram talvez como as oito e quarenta e cinco da noite de um entardecer de Verão, e, no entanto, ainda eram seis de um ainda dia de um Inverno. Ainda.

Entretanto o sol foi morrer longe e eu não vi mais nada. Ainda.

terça-feira, janeiro 01, 2008

Não tinha rodinhas.

Talvez porque os cânones não se mudem assim, já que pesam e ficam. Ganham o pó e as térmitas e as manchas e o seu lugar. Ganham a idade e o valor e o direito a permanecer.

Não tenho corpo de livro, cheiro, ou toque. Mas tenho-lhe a alma.

Mudem os anos, os amigos, os empregos, a sorte, mas que não mude a caverna, a chama e o aconchego da minha mais brilhante certeza: a de não haver rodinhas possíveis para a minha biblioteca.