É sempre difícil falar de uma casa vazia.
Especialmente porque na memória de quem a encheu ela permanecerá assim: cheia.
Dos livros, dos filmes que passavam a horas tardias, das sestas a meio da tarde, da areia da praia presa ao soalho, da brisa das noites de verão a entrar pelas portas da varanda, dos corpos encostados às janelas, dos bons dias, dos capacetes plantados no sofá ao canto, dos fumícios, das discussões, do amor aceso, do prestável colchão de plástico (onde tantas vezes dormimos) a esvaziar à medida que os sonhos esvaziavam também.
Esvaziou o colchão, esvaziaram os sonhos, e por fim esvaziaste, esvaziei e esvaziámos a casa. Falhaste, falhei , falhámos.
E ainda hoje preciso falar dessa casa vazia, dessa casa que adormece comigo e acorda comigo. Dessa casa que recordo, às vezes porque a quero recordar, mas a maior parte das vezes porque não a consigo esquecer.
Porque ainda a vejo cheia. Vejo os vidros embaciados nos Invernos, sinto os meus lábios na tua cara. Abraço-te porque tenho vontade, estico-me no sofá castanho, vejo-te na tua cadeira a fumar, ainda te ouço algumas palavras, mas já não consigo ouvir tudo.
É sempre difícil falar de uma casa vazia.
Especialmente porque, objectivamente, e para lá de tudo o que a memória nos impinja, ela permanecerá assim: vazia.