quarta-feira, dezembro 13, 2006

Vimo-nos a braços com a predilecção

-Hoje, como em muitos outros dias, apetecia-me ter-te nos meus braços.


-Hoje, como em muitos outros dias, planeio abandonar-me nos teus braços.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Efeito Condicional de um Pronome Demonstrativo Variável combinado com uma Preposição

"Se ele não entrar naquele eléctrico, ele que é tão racional, tão terra a terra, tão céptico, nunca vai ver, na outra esquina, a rapariga que vende flores embrulhadas num jornal.

Ela, tão magra, mirrada, pequenina, fugiu daquele filme do Chaplin e jurou não mais voltar. A rapariga vive em câmara lenta, sempre com um solo de piano a sublinhar os seus gestos. Passa a vida a olhar os carros que passam, as pessoas que passam, à espera do seu grande amor, de um homem que lhe dê valor, mesmo sabendo que ela é muda como nos filmes do passado, daquelas que falam com os olhos, acreditando por todos os poros num ardor temerário, que o amor é gesto e silêncio, é um momento sublime suspenso no vento.

Se ele não entrar naquele eléctrico não vai, numa obra do tal acaso, esse sujeito tão imprevisível e parvo, apaixonar-se pela rapariga das flores.

Não vai descer quatro paragens antes da sua, voltando correndo e suando para o Terreiro do Paço, com o coração aos saltos, esbarrando em homens baixos e altos, que circulam pela Baixa com propósitos desconhecidos, talvez a caminho dos empregos ou apenas a fugir do medo, o que é normal entre aqueles que não sabem os próprios destinos.

Se ele não entrar naquele eléctrico não terá motivo para, enquanto corre debaixo da chuva fina, repassar toda a vida. Não lembrará o primeiro beijo, nem a última noite de desejo, nem o vazio da manhã seguinte, o cheiro de cigarro no quarto, nem aquela dor, espécie poética de enfarte, típica de quem está sentado na beira da cama, ao lado de uma qualquer fulana, perto de quem acaba de fazer amor mas longe de alguém que possa chamar de amor.

Se ele não entrar naquele eléctrico não vai (...). E ela não vai (...)."

-Ele não.
-E ela?
-Também não.
-Olha, eléctricos há muitos!
-Para aqueles não.


Edson Athaide escreveu o aspeado